O Golpe do Falso Green Card: Quando a Legalidade se Torna Arma do Estelionato Internacional


23/07/2025 às 00h35
Por David Vinicius do Nascimento Maranhão Peixoto

1. A ilusão do sonho americano como instrumento de fraude

 

O desejo de conquistar o green card – a residência permanente nos Estados Unidos – representa para muitos um símbolo de realização, segurança econômica e mobilidade social. Esse anseio legítimo, no entanto, tem sido explorado de forma crescente por golpistas que encontraram nas brechas legais e na sofisticação contratual um terreno fértil para aplicar fraudes.

O estelionato migratório moderno não se baseia mais apenas na falsificação grosseira de documentos. Ele assume hoje a forma de empresas com fachada jurídica, contratos eletrônicos, atendimento profissional e sedes comerciais em endereços prestigiosos. Trata-se de um novo modelo de golpe transnacional, que atua sob a aparência da legalidade.

 

2. A estrutura empresarial do golpe: do marketing à formalização contratual

 

Empresas envolvidas nesse tipo de fraude operam como se fossem firmas especializadas em assessoria jurídica migratória. Muitas mantêm sites bem desenvolvidos, utilizam selos de certificação digital, oferecem canais de atendimento multilíngue e exibem nomes de supostos advogados com escritórios em cidades como Washington, Miami, Nova York ou Los Angeles.

Ao contatar esses serviços, o cliente é conduzido por uma jornada padronizada: uma análise preliminar do seu perfil, geralmente seguida por uma recomendação de visto – com destaque para o EB-2 NIW, direcionado a profissionais com habilidades excepcionais ou formação avançada. O tom da comunicação é sempre otimista, indicando que há “grandes chances” de sucesso. Logo após, é apresentada a proposta de contratação, geralmente embasada em um contrato jurídico digitalizado e assinado via plataformas certificadas, como DocuSign ou D4Sign.

Esse contrato, com mais de oito páginas e linguagem altamente técnica, detalha serviços, prazos, cláusulas de confidencialidade, responsabilidade do cliente e, principalmente, os valores a serem pagos. Com promessas que chegam a envolver “descontos especiais”, o valor total pode ultrapassar os US$ 20 mil, sob a justificativa de tratar-se de um processo complexo e de alto nível, vejamos um retrato de como os valores ficam descritos no contrato:

 

3. O contrato como ferramenta de proteção do golpista

 

Ao contrário de golpes simples baseados na falsificação direta de documentos, esse tipo de fraude tem como base um instrumento contratual sofisticado. Em sua estrutura, o contrato apresenta cláusulas que limitam drasticamente a responsabilidade da empresa. Termos como:

  1. “Sem garantia de sucesso”;
  2. “Honorários devidos pela simples disponibilidade da equipe”;
  3. “Serviços encerram após submissão do processo, independentemente do resultado”;
  4. “O cliente assume total responsabilidade por documentos e veracidade das informações”;

são comumente incluídos. Isso permite à empresa sustentar que a prestação de serviço foi cumprida, mesmo que o cliente não tenha obtido nenhum retorno ou sequer comprovação de que o processo tenha sido formalmente submetido às autoridades migratórias.

É nesse ponto que o contrato deixa de ser uma proteção mútua e passa a servir como escudo para o golpista: o que deveria ser um instrumento de prestação transparente se transforma em uma blindagem contra futuras cobranças ou responsabilizações civis e penais.

 

4. O ciclo de inércia e desgaste: quando o atendimento esfria

 

Após os primeiros pagamentos, o cliente, ainda motivado pela expectativa de sucesso, entrega documentos, preenche formulários e atende a pedidos contínuos de evidências adicionais. Porém, à medida que os prazos se acumulam, a comunicação com a empresa começa a se tornar esparsa, genérica e ambígua. Argumenta-se atraso por parte da imigração, necessidade de ajustes técnicos, ou “espera por resposta da USCIS”.

Muitos clientes jamais recebem número de protocolo válido do processo. Em alguns casos, são enviados documentos sem validade real, apenas para simular movimentações. Quando o cliente começa a exigir resultados, o contrato é citado como barreira legal: afirma-se que a empresa “cumpriu com suas obrigações”, sendo qualquer insucesso um risco assumido pelo contratante.

 

5. O pagamento como ponto sem retorno: a cláusula de irrevogabilidade

 

A maioria dos contratos utilizados nesse tipo de golpe inclui cláusulas que declaram que os valores pagos são devidos e irrecuperáveis, mesmo que a prestação de serviço não tenha ocorrido de maneira completa. Esses valores, apresentados como “honorários advocatícios” ou “retainers”, são supostamente justificados pela simples disponibilidade da equipe jurídica. O contrato geralmente vem em inglês, sem que seja disponibilizada uma via traduzida para o contratante.

Essa estratégia visa impedir que o cliente tenha conhecimento prévio dos termos do contrato, o que dificulta o reembolso no caso de eventual distrato.

E mais: há a inclusão de cláusulas que limitam a jurisdição de litígios ao Distrito de Columbia (Washington, D.C.), o que torna ainda mais difícil o acesso à justiça para vítimas que estão fora dos Estados Unidos.

 

6. A armadilha jurídica e o medo do litígio

 

Quando os clientes ameaçam divulgar o caso publicamente ou registrar queixas em órgãos de defesa do consumidor, a resposta da empresa costuma ser rápida e intimidadora: lembram as cláusulas de confidencialidade, alertam sobre responsabilidade por calúnia ou difamação, e mencionam o risco de processo por quebra de contrato.

Essa ameaça funciona, sobretudo entre vítimas estrangeiras que não dominam o sistema jurídico americano. Muitos desistem de denunciar por medo, insegurança ou falta de recursos para contratar uma defesa adequada nos EUA. O contrato, nesse ponto, não é apenas um instrumento de prestação de serviços: é um instrumento de contenção e silêncio.

 

7. A diferença entre fraude documental e estelionato contratual

 

É importante distinguir dois cenários. No primeiro, mais tradicional, há a venda direta de green cards falsificados – prática criminosa já prevista de forma clara na legislação penal de diversos países. Envolve falsificações físicas, prazos curtos e geralmente indivíduos operando de forma clandestina.

Já no segundo caso, o da fraude empresarial por contrato, o processo é maquiado por legalidade, com assinatura de documentos legítimos, registros de empresas, nomes de advogados reais e contratos aparentemente transparentes. A fraude está na conduta, não no documento.

Essa zona cinzenta entre o que é legal e o que é criminoso cria uma dificuldade real para vítimas que, mesmo diante do prejuízo financeiro e emocional, encontram-se desarmadas para provar que foram lesadas.

 

8. A fragilidade das vítimas: o sonho como armadilha emocional

 

O alvo preferencial dessas fraudes não são apenas pessoas humildes ou desinformadas. Muitas vítimas são profissionais qualificados, empresários, servidores públicos ou acadêmicos, com perfis que se enquadram nos critérios de imigração legal. Justamente por isso, acreditam que estão fazendo um investimento legítimo ao contratar um serviço de alto nível.

O emocional envolvido – o desejo de migrar, proteger a família, fugir da insegurança – se converte em vulnerabilidade. A promessa de sucesso, mesmo sem garantia contratual, é suficiente para que a vítima aposte tudo, sem perceber que está diante de uma engenhosa armadilha emocional e jurídica.

Entre a formalidade e a fraude, a linha é tênue

O golpe do falso green card, em sua forma contemporânea, representa uma das modalidades mais perversas de estelionato internacional: aquela que se ampara na formalidade para explorar o sonho legítimo das pessoas. Não se trata apenas de prometer o impossível, mas de institucionalizar o engano por meio da aparência da legalidade.

Enquanto a legislação não se adaptar para punir condutas abusivas mascaradas por contratos tecnicamente válidos, milhares de imigrantes continuarão caindo em fraudes que, embora travestidas de assessoria jurídica, não passam de esquemas elaborados de extração financeira.

O combate a esse tipo de golpe exige vigilância institucional, colaboração entre órgãos de defesa do consumidor e autoridades migratórias, e, sobretudo, informação acessível, clara e preventiva. A fronteira entre a legalidade e o estelionato, nesse caso, não é o contrato – é a intenção.

 

9.Caminhos legais para vítimas: como reagir e buscar reparação

 

Apesar da sofisticação jurídica desses golpes, a vítima não está desamparada. Existem instrumentos legais e estratégias possíveis para reagir e, em certos casos, recuperar ao menos parte dos prejuízos sofridos. O primeiro passo é romper o silêncio, identificar que houve abuso de boa-fé e buscar documentar detalhadamente os fatos.

É essencial que a vítima registre um boletim de ocorrência policial, mesmo que a empresa esteja sediada no exterior. Esse registro formal ajuda a caracterizar a má-fé contratual, dá início a um procedimento investigativo e serve como base para eventuais ações civis ou criminais. Muitas polícias estaduais já têm estruturas preparadas para lidar com crimes cibernéticos e fraudes internacionais, principalmente quando envolvem a internet e documentos eletrônicos.

Além disso, é altamente recomendável buscar um escritório de advocacia especializado em fraudes contratuais e direito internacional privado. Escritórios como o Nascimento & Peixoto Advogados, por exemplo, vêm se destacando pela atuação em defesa de vítimas que firmaram contratos com cláusulas leoninas e se viram lesadas por empresas transnacionais blindadas por instrumentos jurídicos sofisticados.

Esses profissionais são capacitados não apenas para avaliar a existência de dolo, mas também para formular ações judiciais estratégicas, inclusive de indenização por danos materiais e morais. Eles também atuam na análise da licitude dos contratos, apuram vícios de consentimento, ausência de contraprestação real, e conseguem, em muitos casos, configurar a prática de estelionato por meio de dissimulação jurídica.

Outra frente viável é a notificação extrajudicial, que, mesmo sem força coercitiva imediata, serve como aviso formal e pode gerar efeitos práticos quando bem fundamentada. Também é possível encaminhar representações a órgãos de fiscalização profissional, como ordens de advogados estrangeiras, conselhos de ética e até consulados, dependendo do caso.

Por fim, é fundamental que as vítimas entendam que mesmo contratos assinados com aparência de legalidade podem ser questionados judicialmente quando há má-fé, abuso de direito, fraude na finalidade do serviço ou omissão dolosa. A jurisprudência brasileira e internacional tem reconhecido, cada vez mais, que a forma jurídica não pode encobrir o conteúdo ilícito da relação contratual.

Em suma, agir rápida e estrategicamente, com apoio jurídico especializado, pode ser a diferença entre resignar-se ao prejuízo ou reverter a injustiça. Golpes como o do falso green card devem ser enfrentados com inteligência jurídica, documentação rigorosa e vontade de reagir — afinal, nenhuma cláusula contratual pode servir como escudo para o crime.

Em caso de dúvidas, entre em contato com o Escritório Nascimento & Peixoto Advogados, envie um e-mail ou entre em contato pelo WhatsApp, ou entre em contato através do nosso Site.

Autor: David Vinicius do Nascimento Maranhão, Advogado OAB-DF nº 60.672. Tel/Wpp: (61)99426-7511 

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  • falsa assossoria

Referências

1.   Nascimento & Peixoto Advogados. (2025). O golpe do falso Green Card: quando a legalidade se torna arma do estelionato internacional. Recuperado em 23 de julho de 2025, de https://nascimentopeixotoadv.com.br/artigos

2.   Reclame Aqui. (2025). Fuja dela! Furada. Recuperado em 23 de julho de 2025, de https://www.reclameaqui.com.br/ag-immigration-law-group/fuja-dela-furada_L_Sbl4FAeL0eXUlY/

3.   Reclame Aqui. (2025). Reclamação. Recuperado em 23 de julho de 2025, de https://www.reclameaqui.com.br/ag-immigration-law-group/reclamacao_pCSYSdOZs3rgMv61/

4.   Reclame Aqui. (2025). Não responde mensagens, abandona cliente – AG Assessoria Brasil LTDA. Recuperado em 23 de julho de 2025, de https://www.reclameaqui.com.br/ag-immigration-law-group/nao-responde-mensagens-abandona-cliente_3YhZhamvYtDLV55p/

5.   Jusbrasil. (2025). AG Assessoria Brasil LTDA – Processos Judiciais (CNPJ 39.615.860/0001-75). Recuperado em 23 de julho de 2025, de https://www.jusbrasil.com.br/

6.   Reclame Aqui. (2025). Falta de consideração com o cliente, furada. Recuperado em 23 de julho de 2025, de https://www.reclameaqui.com.br/ag-immigration-law-group/falta-de-considera-com-o-cliente-furada_tIyDT0hIq1YOeCU_/

7.   Reclame Aqui. (2025). Revogação de contrato. Recuperado em 23 de julho de 2025, de https://www.reclameaqui.com.br/ag-immigration-law-group/revogacao-de-contrato_7eiKjqsbsHycEzZ-/

8.   Reclame Aqui. (2025). Contrato não cumprido. Recuperado em 23 de julho de 2025, de https://www.reclameaqui.com.br/ag-immigration-law-group/contrato-nao-cumprido_wEh1jbxP0VF1-LMW/

9.   Reclame Aqui. (2025). Empresa desorganizada e incompetente. Recuperado em 23 de julho de 2025, de https://www.reclameaqui.com.br/ag-immigration-law-group/empresa-desorganizada-e-incompetente_lqc1lvoB-90AAJ0_/

10.                    Reclame Aqui. (2025). AG Immigration não cumpre o contrato. Recuperado em 23 de julho de 2025, de https://www.reclameaqui.com.br/ag-immigration-law-group/agimmigration-nao-cumpre-o-contrato_eV9JqBpuYN1CXVbX/



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